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Mesmo com todas as condições de vencer um Lula forte (mais preso), o PSDB vai engrossando o caldo do ex-capitão vendo escapar entre seus dedos a oportunidade de chegar à presidência. |
A velha literatura da Ciência Política ainda tem muito a dizer de como operam muitos fenômenos vivos na contemporaneidade. Daí que autores que se dedicaram a pensar organização política ganham (ou deveriam ganhar) audiência.
Lênin é um dos grandes. Como grande, tem muito a dizer sobre os fenômenos que atravessam as decisões políticas dos vários campos de força (aliás conceito de outro gigante, Bourdieu). No Brasil, em pleno processo eleitoral, quem está no "olho do furacão" muitas vezes não tem tempo ou não tem acúmulo bibliográfico mesmo para aprender com os clássicos.
Em Lênin, um dos temas mais centrais era o da organização. Hoje em dia, sobretudo em tempos de eleição, está fora de moda falar em organização. A linguagem mercadológica substitui o velho conceito pelo chavão "marketing partidário-eleitoral".
Ocorre que na hora da onça beber água, não tem jeito, é nos clássicos que temos explicações e orientações absolutamente relevantes.
É o que me ocorre na disputa presidencial, particularmente porque fiquei pensando um pouco sobre os dilemas tucanos. Como pode um candidato que reúne os principais ativos eleitorais correr tanto risco de ser derrotado precocemente?
Lênin começa a explicação. Falta política e falta organização. Falta política para perceber a conjuntura de desagregação social e adesão acrítica, das massas e dos políticos (inclusive intelectuais), à posições políticas extremadas e antidemocráticas. Lá no tempo do Partido de Lênin eles resolveram apelidar esse conjuntura de "LIQUIDACIONISMO". interessante é que mesmo Lênin adverte que o derretimento das estruturas políticas e partidárias são notadas à esquerda e à direita do espectro político. O líder dos bolcheviques então elenca uma série de providências necessárias à manutenção do mínimo de ordem partidária, como mitigação daquilo que ele próprio descrevia como "(...)desagregação ideológica e orgânica e desistência do espírito de partido(...). LÊNIN, V. I. Obras Completas - Tomo XVII.
O outro tópico, a falta de organização, ocupa Lênin. Veja que parece mesmo alguém falando dos partidos políticos de 2018, mas Lênin escreve em 1912. No meio de forte conjuntura de repressão e desagregação os partidos políticos começam a se desmoronar. Lênin escreve aos diretórios no sentido de formular antídotos para o que entende ser uma crise definida como a "(..)lógica do desencanto com relação ao partido(...)" e um "(...)desalento que se expressa na ideologia da “substituição da organização do partido por uma organização legal ‘amorfa'(...)". LÊNIN, V. I. Obras Completas - Tomo XVII.
Para o primeiro problema (falta política) o remédio, simplificando grosseiramente, é reforçar os quadros partidários e reduzir o partido ao tamanho do seu real fôlego. Para o segundo problema (falta organização) o remédio juntar os cacos, ler adequadamente as oportunidades e redesenhar o "(...)nível de mobilização e radicalização das ações do partido(...)". LÊNIN, V. I. Obras Completas - Tomo XVI. Pessoalmente me lembro de quando li uma carta de Lênin sobre a participação do partido nas eleições de 1912. Eu, um borra-calças de menos de 16 anos, absolutamente convicto de que o partido político ao qual eu era filiado tinha que botar pra quebrar contra tudo e contra todos, recebi uma aula de real politik. Escrevia Lênin, sobre a tática em 1912: "(...)Todos nós sabemos muito bem que as eleições de 1912 (...) não resultarão nem podem resultar em uma ‘mobilização de massas’ nem ‘ampla’ nem ‘aberta’. Oferecerão a modesta oportunidade para um trabalho que não será nem amplo nem aberto, e essa oportunidade deve ser utilizada.(...)". LÊNIN, V. I. Obras Completas - Tomo XXI.
Fiquei chocado. A receita de Lênin era sim o oportunismo. Senso de oportunidade, muita atividade de propaganda e agitação do partido. Propaganda, ação qualificada de debate político; e agitação do partido, ação organizada de militância e desempenho de tarefas partidárias.
Mais tarde, já no IFCS, tive contato com outros marxistas. Muitos me ajudaram a compreender melhor o Lênin. Outros foram importantes para complementar Lênin. Hanna Arendt e Gramsci são meus xodós. Em ambos eu entendi bem mais e com melhor qualidade a idéia Leninista de oportunismo. E, nesses dois autores percebi quão estratégico é a capacidade de agir "sob a negociação com as forças políticas". Não é sem motivo que Carlos Nelson nos ajudou a todos entender bem o que significa, em Gramsci, a idéia de política como "catarse".
Gramsci tem uma preocupação útil, entre muitas: do que é feita a "pequena política"? O dia-a-dia, as decisões mais comezinhas, o emaranhado complexo e nem sempre racional que mistura interesses/desejos/psique/frustrações, o contato cotidiano dos sujeitos e o sabor das suas decisões cotidianas e atitudes práticas. Na pauta está o desafio de se entender como essa "pequena política" ajuda entender a formação dos Campos de Força e a formação de lideranças políticas. Nas palavras de Gramsci, "(...)torna-se fundamental o entendimento do conjunto de mediações que conformam e esclarecem esse domínio e seu consentimento: como se governa e por que o governado obedece(...)". GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. RJ: Civilização Brasileira, 2000, vol. 3.
O italiano sabia bem a importância da "pequena política", ainda que sua elaboração esteja centrada naquilo que ele entendia como "grande política". E, bem ao estilo de quem leu Lênin, Gramsci entendia perfeitamente os efeitos da propaganda e da agitação partidária.
Hoje, chamamos de militância a ação dos "partidários" que operam a propaganda e a agitação partidária. Gramisci, além de conhecer bem as bases que sustentam organizações políticas que ambicionam uma posição hegemônica (realizam a catarse de esgrimar na pequena política e alcançam propósitos mais estratégicos e de impacto mais ampliado na vida social, quer dizer, protagonizam a grande política) não descuidou de ler atentamente críticas contundentes dos pesquisadores que advertiam as muitas fragilidades das organizações políticas, e, no limite, do próprio campo de forças. Uma das críticas bem contundentes o italiano encontrou em Robert Michels: GRAMSCI, A. Robert Michels e os partidos políticos. In: Maquiavel, a política e o Estado moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1968.
A equação é relativamente simples: pouca organização (desalento e baixo associativismo) + pouca política (descrença nas organizações e fragilidade de idéias) + pequena política sufocando a grande política + oligarquias partidárias desligadas de qualquer base social = terreno fértil para esfacelamento dos campos de força política.
Os campos de força esfacelados abrem caminho para muitas maluquices políticas. Na verdade, nem são maluquices. São mesmo o resultado de cálculos feitos por pequenas lideranças que, ao sabor da sua própria sorte (sem direção consistente ou organismos políticos que lhes abriguem), se entregam desbragadamente ao imediatismo e ao mais radical "self- made politic". Essa equação cria micro lideranças que são uma antítese das "bestas de votar": como estudou Weber quando os parlamentares ingleses perderam sua autonomia para as oligarquias partidárias (WEBER, M. Política como vocação. In: Ciência e política: duas vocações. São Paulo. Cultrix. 1984). A equação de hoje gera o contrário da "besta de votar", gera o self-made politic". Alguém que se lixa para as estruturas partidárias e mergulha de cabeça nos mais agudos interesses particulares.
Ser capaz de ler adequadamente essa equação é uma vantagem competitiva, já que a linguagem hodierna reduz a política à mero mercado eleitoral. Não ser capaz de ler a equação e nem conseguir intervir em seus termos significa ficar refém do resultado daquela expressão.
No páreo deflagrado em direção ao Palácio do Planalto temos, bem claro, um exemplo de alheamento da equação do sel-made politic. Alckmin é um candidato com as mais absurdas vantagens que se possa imaginar. Sua campanha conseguiu reunir boa capacidade de financiamento, boa base midiática, tempo de TV, e, principalmente, conseguiu amealhar uma monstruosa máquina eleitoral extremamente capilarizada.
Mas, o que ocorre agora? A mídia tenta e o tempo de TV é uma espécie de tábua de salvação, a conferir se realmente vai ser tão importante assim. Não vai ser simples, as entrevistas e debates que acompanhei não ajudam o tucano e ajudam menos ainda as estruturas midiáticas a sustentarem a promoção da candidatura do ex-governador de SP.
Mas, pior, ele está simplesmente perdendo as máquinas eleitorais que estavam à sua disposição. A figura 1 desta postagem mostra que mesmo entre tucanos históricos o candidato do PSDB não conseguiu estabelecer diálogo necessário para formatar a participação dessas lideranças em torno da sua campanha. A figura 2 mostra que Alckmin não consegue operar a equação do sef-made politic nem mesmo nas suas bases eleitorais mais recentes. Tucanos do seu estado, ancorados à Dória, evitam o candidato do PSDB e acionam suas máquinas eleitorais em favor de Bolsonaro. A figura 3 é ainda mais reveladora, um irmão de um dos principais ideólogos de Alckmin simplesmente declara que sua máquina eleitoral está à disposição de Bolsonaro e não do tucano. A figura 4 revela que em regiões onde Aécio obteve mais de 80% dos votos na eleição de 2014 a máquina eleitoral simplesmente ignora Alckmin e desagua integralmente na candidatura de Bolsonaro. Na figura 5 vimos que mesmo aliados que se dispuseram tentar aproximação com Alckmin, desistiram. Tem faltado ao tucano a capacidade de enxergar a equação do self-made politic.
Não é que Bolsonaro tem maiores habilidades que Alckmin. Ocorre que no cenário liquidacionista (lembra do Lênin?), com os campos de força baratinados, com amplo desencantamento com a política, com máquinas eleitorais nas mãos de self-made politics, a resultante é o esvaziamento das estruturas centralizadas e das lideranças pouco afeitas a mergulharem seus pés no barro da pequena política.
Parece mesmo que, com todas as condições de vencer um Lula forte (mais preso), o PSDB vai engrossando o caldo do ex-capitão vendo escapar entre seus dedos a oportunidade de chegar à presidência.
Vitória da pequena política, da choldra mais desforme, do cenário político que privilegia os mais famintos self-made politics.
Alckmin ainda tem tempo, dinheiro e mercado para reverter esse imbróglio em que se meteu. Se vai conseguir, veremos. Não conseguindo, fortalece Bolsonaro.
A pergunta que fica para outro momento é: ESTARIA LULA ENXERGANDO A EQUAÇÃO DO "SELF-MADE POLITIC" COM MELHOR CLAREZA QUE SEU ANTÍPODA TUCANO?
Peteson Leal Pacheco, é sociologo, mestre em estatística e professor universitário.
Fonte: encurtador.com.br/eFJV3
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