A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que mais de 1 bilhão de pessoas no mundo vivem com alguma limitação física ou intelectual e no Brasil o último Censo que fez o levantamento PCD, apontou 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência.
Por Rafael Sallet*
Alexandre Lucas candidato a Vice Prefeito em Volta Redonda pelo PCdoB |
Para a LBI, considera-se
pessoa com deficiência aquela que:
“Tem impedimento de longo
prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Uma releitura do Censo de
2010, sob orientação da comissão da ONU, denominada Grupo de Washington,
reclassificou, dentro do grupo de 45 milhões de brasileiros com limitações,
aqueles que se enquadrariam na condição de pessoa com deficiência, estabelecendo
o número final de 12,7 milhões de pessoas na condição de deficiência, ou 6,7%
da população.
Se entendermos os dados
censitários como expressão da realidade, vislumbramos um cenário onde quase ¼
dos brasileiros vivem com algum impedimento de longo prazo, dificuldades que
não necessariamente se enquadram num diagnóstico de deficiência clássico, mas
que representam as condições de limitações físicas, mentais ou intelectuais de
brasileiros.
Isso deve servir como
elemento de reflexão sobre a prioridade que damos a essa temática quando
pensamos nas cidades, visto que a Inclusão geralmente é um assunto periférico
nas plataformas eleitorais, nas propostas orçamentárias e nas políticas
públicas.
Conhecendo o número de
Pcd’s no Brasil, podemos avançar para compreendermos o papel da inclusão
articulada com a democracia.
Não seria um contrassenso
pensarmos uma democracia que exclua de suas políticas públicas, um contingente
tão grande de brasileiros? Pois essa exclusão, acompanhada de invisibilidade
das pessoas com deficiência é regra e não a exceção, e urge darmos centralidade
a essa pauta no debate das cidades, pois NÃO HÁ CIDADES DEMOCRÁTICAS SEM
POLÍTICAS DE INCLUSÃO.
A questão da inclusão,
tão vital para um projeto democrático, tem sido desconsiderada no debate político,
ao exemplo das eleições presidenciais de 2018, onde cinco candidaturas
presidenciais sequer citaram a questão da deficiência (Jair Bolsonaro, Henrique
Meirelles, João Amoedo, Álvaro Dias, Vera Lucia) e os demais trataram a
temática de forma genérica.
Se tomarmos a concepção
de inclusão no sentido mais amplo, podemos afirmar que incluir é o grande
objetivo de toda política pública em qualquer área quando pensamos a cidade.
Afinal, os desalentados que dormem nas calçadas, os pobres empurrados cada vez mais
para as áreas periféricas da cidade, os pequenos empresários que não conseguem
ter sua fatia do mercado ao serem engolidos pelos monopólios econômicos, o
doente que espera por anos uma cirurgia eletiva, o estudante que não tem acesso
a educação de qualidade, o jovem que não tem opções de arte, lazer e cultura, o
desempregado que não consegue entrar no mercado de trabalho… são todos
excluídos, e que necessitam de forças políticas que apresentem alternativas de
inclusão para superação das desigualdades.
Aqui, no entanto, nos
debruçaremos sobre a inclusão das pessoas com deficiência.
Toda pessoa que deseja
conhecer e intervir no tema da inclusão, deve conhecer, estudar e lutar pela
implementação de três legislações que são referência, e foram construídas através
da luta dos movimentos sociais e do protagonismo das pessoas com deficiência. O
primeiro texto de estudo deve ser a Convenção Interacional dos Direitos da
Pessoa com Deficiência. Ele está acessível no link;
O segundo texto é a Lei
Brasileira de Inclusão; o terceiro texto de estudo é a Política
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.
Talvez o grande esforço
de um projeto de inclusão, seja a execução das legislações citadas acima, no
âmbito das cidades. Mais do que a construção de novos programas (que podem ser
importantes na medida que implementam a LBI), mais do que criar novas
legislações municipais (que podem ser relevantes na medida que regulam no
âmbito municipal a legislação nacional), devemos estar vigilantes e mobilizados
para combater ações que trazem retrocessos nos direitos.
Muitas boas intenções, na
criação de leis municipais e criação de programas, estão carregadas de
capacitismo, de leis que agravam a situação de segregação ao invés de promover
a inclusão, e isso invariavelmente advém de políticas que se importam mais com
a publicidade da ação, do que com a necessidade real e que são apresentadas sem
a participação protagonista das pessoas com deficiência.
O capacitismo é um
adjetivo que podemos entender como análogo a homofobia, ao machismo ou ao
racismo, e como ele é estrutural, precisamos fazer uma auto análise de nossas
próprias concepções capacitistas, além de estudar e se relacionar com a
comunidade PCD, para que tenhamos um olhar mais apurado para as políticas
públicas que são propostas nas cidades.
Tendo como objetivo a
eliminação de barreiras, sejam elas físicas ou atitudinais, o que podemos
propor na área da inclusão, no âmbito das cidades ?
O que trazemos para
apreciação não é uma lista extensa, que abarque todo conjunto de propostas
possíveis, mas alguns pontos e ancoragem e referência, para cidades mais
inclusivas e democráticas:
– O reconhecimento da
Língua Brasileira de Sinais, como língua oficial brasileira, com aprendizado
obrigatório no currículo escolar, e ampla oferta de cursos de alfabetização em
Libras para sociedade em geral.
– As publicações oficiais
por meio físico e digital devem ter elementos de acessibilidade, tais como
tradução a Língua de sinais, legendas, fontes aumentadas, áudio descrições,
inclusive versões em braile.
– Comunicação Alternativa
e Aumentativa como reconhecimento da maneira própria que cada pessoa pode se
comunicar. Não raro, mas ainda tímida, são as propostas de comunicação
alternativa e aumentativa na relação da pessoa com deficiência junto a seus
familiares ou na relação da pessoa com deficiência junto a escola, através de
PECS – Sistema de Informação por Troca de Figuras e outras tecnologias. No
entanto se o direito da PCD é estar em comunidade devemos avançar nas cidades
para que, para além do âmbito familiar e escolar, também os serviços públicos e
os locais de atendimentos disponham desse tipo de ferramenta de comunicação,
com treinamento dos profissionais e gradual estímulo a iniciativas similares no
setor privado.
– projetos e investimento
em Tecnologia da Informação, estimulando projetos inovadores, onde programas de
computador e aplicativos de tablets e celulares dão voz para pessoas
à partir de sistemas que geralmente são pouco custosos e de fácil utilização.
– Construir redes
intersetoriais e transversais que permitam a execução eficiente de medidas de
desinstitucionalização. Este tema apontado, como prioritário pelo Comité da ONU
dos Direitos da Pessoa com Deficiência, em estudo feito no Brasil em 2017 e
2018, explicita a realidade de pessoas que vivem uma vida inteira
institucionalizadas. Cabe ao projeto da cidade fortalecer, alocar recursos e
estabelecer prioridades na construção ou consolidação de serviços na comunidade
para pessoas com deficiência e famílias de crianças com deficiência, realocando
os gastos; revitalizar programas para que as pessoas com deficiência vivam de
forma independente em suas comunidades e para que crianças com deficiências
cresçam com suas famílias em casa; rever e expandir o programa de residências
inclusivas; e promover programas de adoção, famílias acolhedoras e
apadrinhamento de crianças e jovens com deficiência.
– Destaque para as
residências assistidas, que há muitos anos estão estabelecidas na legislação,
mas que não são implementadas nas administrações municipais
– A questão da
acessibilidade é extremamente ampla e cria um universo inteiro de possibilidade
de ações na cidade. Desde o plano diretor, que deve levar em consideração a
pessoa com deficiência, ao conceito de “desenho universal”, onde toda produção,
seja de um simples documento a um projeto arquitetônico contemple a possibilidade
de uso de todos os munícipes, incluindo as pessoas com deficiência e que as
adaptações razoáveis permitam acessibilidade para as mais variadas formas de
deficiência.
– Segundo o IBGE apenas
11,7% das cidades brasileiras contam com transporte coletivo adaptado para o
uso das pessoas com deficiência, e apenas 4,7% das calçadas brasileiras tem
algum elemento de acessibilidade para pessoas com deficiência, ou ainda o Censo
Escolar, que apontou que apenas 26% das escolas tem acessibilidade, propor a
universalização da acessibilidade nas cidades é fundamental.
– Importante trabalharmos
a questão da acessibilidade nas áreas periféricas. É comum vermos a engenharia
da cidade pensar a acessibilidade na região central, sem o mesmo esmero nos
bairros mais afastados.
– A construção de praças,
parques, e locais públicos com tecnologias assistivas que permita a inclusão
das pessoas com deficiência. Algumas experiências municipais de Lazer, inclusão
e acessibilidade devem ser reproduzidos e melhorados. Os locais públicos de
encontro do povo, precisam ser pensados e construídos com todas as adaptações
razoáveis.
– Quando falamos em
acessibilidade, a maior relação que se faz é com calçadas, com arquitetura e
adaptação de prédios, mas é muito mais amplo que isso, vai desde a adaptações
necessárias para que a pessoa com deficiência possa participar da vida cultural
como cinemas, shows e teatros até as tecnologias de comunicação alternativas.
Devemos fazer propostas que ampliem e garantam esses direitos nas cidades.
– Lutar pela inclusão,
significa avançar nas condições da pessoa com deficiência estudar em escola
regular. Além das adaptações razoáveis na estrutura física das escolas, da
individualização do plano pedagógico, das adaptações de material, o principal
gargalo da inclusão é na contratação e capacitação de profissionais de apoio.
– Tivemos um salto
gigantesco de matrículas de inclusão no ensino regular, saltando de 44 mil
matrículas em 1998 para 900 mil em 2018. Tal aumento não foi acompanhado pelos
estados e prefeituras na capacitação de professores, nem no aumento do quadro
de servidores. Apenas 5% dos professores da educação básica tem formação na
área da inclusão. O Atendimento Educacional Especializado – AEE, só alcançou um
pouco mais que 37% das matriculas de inclusão. A falta de profissionais e de
capacitação continuada, são as grandes barreiras que precisamos enfrentar para
avançarmos na inclusão escolar nas cidades.
– O direito a saúde da
pessoa com deficiência, não pode ser confundido com a visão biomédica de que
deficiência é doença. Tal concepção está carregada de capacitismo, daqueles que
buscam a cura de determinada deficiência para normatizar a pessoa no padrão médio
da sociedade. Isso não significa que não precise buscar a reabilitação, com a
superação de dificuldades e apoio ao desenvolvimento, eliminando barreiras que
impedem o pleno gozo da vida em sociedade, mantendo o respeito a
diversidade e a neuro diversidade das deficiências.
– A criação de Centros Públicos de diagnóstico e acompanhamento é talvez o mais
relevante projeto que pode transformar a vida das pessoas com deficiência, ao
promover diagnóstico precoce e apoiar a pessoa com deficiência no avanço de
suas capacidades.
– Defesa irrestrita ao
direito sexual e reprodutivo das PCDs.
– Capacitação dos
profissionais de saúde.
– Atendimento
especializado nas consultas eletivas, com prioridade de atendimento.
– Tornar os espaços
municipais de saúde, em locais com acessibilidade.
– Qualificar os Agentes
Comunitários de saúde a identificar as pessoas com deficiência, fazendo,
estabelecendo cadastros e quando necessário, acompanhamento multidisciplinar.
– buscar a
descentralização dos serviços, garantindo atendimento próximo do local de
moradia.
– A lei de cotas de
funcionários com deficiência nas empresas privadas, aumentou substancialmente o
número de PCDs no mercado de trabalho. Esse aumento, no entanto, não foi o
suficiente para aumentar o índice que hoje é menos do que de 1% dos postos de
trabalho com contratos formais, sendo ocupados por pessoas com deficiência.
Precisamos avançar nas políticas afirmativas no âmbito municipal.
– Toda pessoa com
deficiência é capaz, basta dar-lhe o apoio e as condições de adaptação
necessárias para sua atividade laboral.Nesse aspecto, precisamos construir
políticas que criem programas de qualificação de pessoas com deficiência. É
fundamental que as prefeituras, e Câmaras de Vereadores contratem PCDs, e que
sejam feitas políticas extras de isenções e benefícios no âmbito municipal para
empresas que contratem pessoas com deficiências, dando especial ênfase a
deficiência mental e intelectual, que encontram maior dificuldade de
aproveitamento no mercado de trabalho.
– A superação das
barreiras atitudinais, talvez seja a mais difícil proposta, por sua complexa
execução. A superação de barreiras atitudinais, representa ações, projetos,
leis, programas, divulgação e publicidade que impactem a sociedade como um
todo, para que paradigmas de preconceito e de capacitismo deixem de estar
presentes no dia a dia da pessoa com deficiência.
-A pessoa com deficiência
não precisa de pena, nem de “coitadismo”. A Pessoa com deficiência não precisa
ser tratada com infantilidade, nem ser subestimada nas suas condições de falar
por si. A pessoa com deficiência é uma pessoa de direitos, que deve ocupar
todos os espaços da cidade, com liberdade sexual e reprodutiva, com liberdade
de expressar opinião, sem a necessidade de tutela.
Enfrentar as barreiras atitudinais,
que se materializam quando colocamos o tema da inclusão na periferia do debate,
é sem dúvida o maior desafio para a inclusão em uma cidade democrática.
*Rafael Sallet é
secretário estadual de Organização do PCdoB-PR, psicólogo, presidente da União
de Pais Pelo Autismo de Curitiba, ativista da inclusão e pré-candidato a
vereador.
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